E o ano de 2015 terminou assim: triste e feio como começou e alguns membros da sociedade mais podres, mais descartáveis.
No dia 31, enquanto eu lia a notícia sobre o assassinato do menino Kaingang de apenas dois aninhos, não pude conter as lágrimas que incessantemente rolaram. Entristece-me demasiadamente saber que uma pessoa que não pode e não deve ser chamado de humano, seja capaz de praticar um ato tão frio, covarde, insano, irracional como esse. Eu tentei, sem sucesso, me colocar no lugar daquela mulher que, enquanto exercia o seu momento de maior plenitude na tarefa de ser mãe, a amamentação, teve a infelicidade de ver o seu filho sendo degolado sem chance de defesa e sem motivo que justifique tamanha crueldade.
Fiquei procurando motivos e argumentos para escrever algo sobre o assunto, mas um vazio tomou conta de mim. Eu me senti à beira de um abismo olhando para baixo e para a frente e não via nada. Minhas palavras ficaram sem rumo.
Não se trata aqui de procurar identificar a vítima como índio e, à vista disso, justificar a falta de importância que a notícia teve na mídia, não se trata de tentar justificar tamanha covardia respaldada por um pensamento de se sentir mais importante e com mais direito de viver que uma criança índia. Parece vazio ficar repetindo que se trata de um crime praticado por intolerância, por racismo, por maldade. Já sabemos os motivos.
Trata-se mais de tomar consciência de que a sociedade brasileira está terrivelmente doente. Trata-se da doença da má criação, da má educação, que vem gerando gente mal formada, mal criada, mal amada, mal resolvida.
O sociólogo e psicólogo social Durkheim afirma que o ser social é formado pelas consciências individual e coletiva e a consciência coletiva é uma combinação das consciências individuais de todos os homens, bem, sendo assim, a meu ver, estamos todos perdidos, estamos no centro de uma catástrofe social, possuímos uma contagiosa doença terminal.
Atos de crueldade como esse denotam um estado de patologia social associado, provavelmente, à falta de valores e de regras e de um punhado de bom senso e de razão.
Não se trata mais de desejar que todas as pessoas cultivem o amor, vivam em harmonia e busquem aperfeiçoar a sua insignificante condição de humanos, isso só se pode compartilhar com pessoas que se espera queriam se manter sãs. Trata-se agora de fazer a sociedade recuperar a razão. Estamos mergulhados profundamente num estado de depressão e esquizofrenia social.
Ainda segundo Durkheim, em uma sociedade sadia os indivíduos devem se sentir “seguros, protegidos e respaldados”. Há muito tempo a sociedade brasileira sofre com os desmandos e descasos do governo e da instabilidade econômica e social. A falta de proteção às instituições básicas: família, trabalho, educação e saúde, ocasionaram com o tempo um desequilíbrio do organismo da sociedade e esta, doente, manifesta suas sequelas na forma de assassinatos, revoltas, violação das leis, das regras, dos limites e do bom senso que deveria nortear a vida em sociedade.
A patologia se instalou porque o governo, omisso, não vem exercendo nenhuma forma de controle efetiva, assim, o organismo social agoniza. A luta que temos de travar é individual. Que não nos falte paciência e otimismo e que nos sobre coragem e amor para lutar e para mudar o pensamento social. Assim, em conjunto, recriaremos uma sociedade que reflita valores mais justos, mais racionais. Até adquirirmos essa consciência é triste saber que derramaremos ainda muitas lágrimas, por indiozinhos indefesos, por moradores de ruas, por crianças abandonadas, por homens sem teto e sem trabalho, por humanidade.
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